Após resolver o problema dos raios partidos e de volta a São Pedro Nordestinho, em São Miguel, chegou a hora de dizer adeus à familia Pimentel e seguir viagem para as Furnas. Este foi um trajecto relativamente longo mas os 49.99km que me separavam do meu próximo destino correram na perfeição.
Sob o olhar atento do Paulo, terminei de montar a roda na bicicleta e voltei a condicionar a carga. Eram sete horas quando deixei a pequena vila e o sol ainda brilhava, entretanto as nuvens por cima do Pico da Vara, o ponto mais alto de São Miguel, prometiam antecipar o pôr-do-sol pois estavam muito densas.
Esta viagem foi a única que fiz durante a noite e eu estava um pouco apreensivo porque não me lembrava muito bem do caminho e todas as pessoas com quem falei diziam que era muito longe.
O conceito de muito longe aqui nos Açores vai variando de ilha pra ilha e é fácil de entender… o que é considerado longe na Graciosa não é considerado da mesma forma em São Miguel, mas esta noção daquilo que é perto e daquilo que é longe varia ainda mais quando incluimos na equação a variável bicicleta.
A partir do momento em que a bicicleta aparece como meio de transporte é comum ouvir coisas do tipo: nunca mais lá chegas, só chegas lá amanhã, isso é muito complicado, etc… e quando pergunto o por quê as pessoas nunca explicam muito bem as razões, talvez por vergonha, por acharem que não conseguem ou quem sabe por nunca terem pensado no assunto. Irremediavelmente o dizer que ir de carro é mais fácil vem sempre à baila.
Passei pela Ponta da Madrugada, pela Ponta do Sossego, ambos míticos miradouros de São Miguel e acho que por instantes fui ali o ciclista mais oriental dos Açores. Não pude deixar de notar que a entidade responsável pela manutenção dos miradouros não incentiva muito alguns hábitos saudáveis. Não se pode jogar a bola, não se pode pisar a relva, não se pode andar de bicicleta e não podemos andar com animais nestes miradouros mas acho que fumar é permitido. Engraçado que por conta de algumas pessoas muitas sejam prejudicadas.
Quando passei pela Povoação já era noite e a freguesia estava em festa, toda iluminada, com gente na rua e com uma vida incrível. Passei por pelo menos dois parques de campismo completamente lotados e pelo caminho ví inúmeras tendas montadas à beira da estrada. Era mesmo muita gente.
A medida que subia as lombas, em direcção às Furnas e vendo todo aquele movimento fiquei a pensar neste vai e vem das pessoas e à medida que avançava, os pensamentos sobre as motivações e necessidades que faziam com que as pessoas se locomovessem de um lado para o outro começaram a brotar e à medida que pedalava noite adentro estive a pensar na enorme transformação que os carros e o petróleo causaram na vida das pessoas.
Estive a pensar no esfoço que era empregado antigamente para mover as pessoas e mercadorias de um lado para o outro e como era noite de festa na Povoação, ao ver todos aqueles carros a passar por mim foi inevitável pensar o que seria se aquela gente toda só pudesse lá chegar a pé ou de bicicleta. E ao refletir mais um pouquinho, cheguei a conclusão de que afinal os combustíveis não estão tão caros assim.
Não sei bem ao certo o peso extra que carrego na bicicleta, mas em média faço algo por volta 12km/h, o que significa que levaria mais ou menos 8 horas pra fazer 100km, ou seja, um dia inteiro de trabalho. Agora imagine que um carro pequeno, ao fazer o trabalho de arrastar 1000 quilos de um lado pro outro (que é o seu peso) e que sendo económico consuma 5 litros aos 100km. Se este carro fizer a viagem em duas horas vai gastar os 5 litros e isto custará algo em torno de 7.5 Euros por duas horas de trabalho.
Quantas pessoas seriam necessárias para fazer o mesmo trabalho de levar 1000 quilos ao longo de 100km?
Viu como é barata a gasolina?
Acabei por chegar ás Furnas por volta das onze da noite e depois de umas voltinhas pela vila instalei-me no Parque de Campismo das Furnas. De lá ainda ouvia a música do arraial porque a vila também estava em festa mas o sentido de missão cumprida falou mais alto e depois de um belo duche e do jantar fui dormir a pensar no dia seguinte… o último da volta a São Miguel. Na próxima etapa terei companhia e vai ser mais uma vez diferente e divertido como têm sido até agora nestes 29 dias a pedalar pelos Açores.
Lembro a todos que nos acompanham que a minha bicicleta tem iluminação traseira e frontal e muitos reflectores nas rodas, pedais e na bagagem. Estes são acessórios muito importantes para quem quiser se deslocar durante a noite em zonas pouco iluminadas. Se não somos vistos não podemos ser respeitados.
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